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Brasil Colônia

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A CORRIDA DO OURO

Obra dos bandeirantes paulistas, a localização de depósitos auríferos em Minas Gerais (1693) marcou o início de uma verdadeira "corrida do ouro" rumo ao interior. Nos quinze anos seguintes, algo entre 30 e 50 mil aventureiros, vindos de Portugal e de todas as partes da própria colônia, dirigiram-se para a região. Em 1723, a descoberta de diamantes na área da atual Diamantina e a identificação de outras fontes em Goiás e Mato Grosso só fizeram acentuar o fluxo migratório. Em 1767, data da primeira avaliação geral de população, a capitania de Minas Gerais tornara-se a mais populosa do Brasil, com 208.600 habitantes adultos, dos quais apenas 39% eram livres. Dentre os resultados mais imediatos dessa rápida ocupação destacam-se as crises de fome de 1698/1699 e 1700/1701, os numerosos conflitos pela posse das lavras e mudanças administrativas, como a criação dos governos municipais (1711), da capitania (1720) e do bispado de Mariana (1745). A longo prazo, a riqueza abundante atraiu o luxo e fez florescer as artes. Multiplicaram-se os centros urbanos. Criou-se uma importante rede de abastecimento que integrou em um grande mercado interno a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e até os campos de criação de gado no sul. Ao dispensar os capitais necessários a montagem de um engenho, a mineração favoreceu a ascensão social de alguns indivíduos sem fortuna nem proteção, embora tenha também gerado a miséria de muitos.

As regiões auríferas foram ocupadas por meio da distribuição de datas, porções de terra medindo 30 braças de lado (66m). Os métodos utilizados dependiam do emprego intensivo de trabalho escravo, permanecendo sem grandes inovações ao longo de todo o século XVIII. Mais comum era a mineração de aluvião, sobretudo nas margens e nos leitos dos rios, com o manejo de batéias e canoas, para separar o ouro em pó do cascalho. Mas raramente, explorava-se o subsolo, com poços abertos no leito dos rios ou galerias nas encostas dos morros. Até 1730, um quinto, ou 20% do ouro obtido cabia à Coroa como tributo. Reduzido o percentual em seguida para 12%, esse sistema foi substituído, em 1739, pela capitação, quer dizer, o pagamento de 4,75 oitavas de ouro (17 gramas) por escravo empregado na mineração. A partir de 1750, voltou-se ao regime do quinto. O chamado Distrito Diamantino regia-se por legislação própria. O auge da produção aurífera ocorreu na década de 1750. Durante todo o século XVIII, estima-se que tenham sido extraídos 172.711 kg de ouro, sendo 75% em Minas Gerais, 18% em Goiás e 7% em Mato Grosso. Com o declínio da produção, a população voltou-se para a agricultura e a pecuária.

 

AS REFORMAS POMBALINAS

Com a subida ao trono de D. José I em 1750 e, sobretudo, com o terremoto que arrasou Lisboa em 1755, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais conhecido pelo título posterior de Marquês de Pombal, tornou-se primeiro-ministro do reino, passando a reunir em suas mãos enorme poder. Até 1777, ano da morte do monarca, ele conduziu uma série de reformas que afetaram de maneira decisiva a sociedade portuguesa e o mundo colonial. Em consonância com a percepção de uma parcela da elite portuguesa do atraso em que se encontrava Portugal em relação aos principais países da Europa, a ação de Pombal orientou-se por três objetivos. Primeiro, submeter a alta nobreza ao controle da Coroa. Segundo, fortalecer a qualquer custo os grandes comerciantes. Terceiro, evitar a interferência da Igreja nas decisões da monarquia. Ao proceder dessa forma, repetindo o que França, Inglaterra e Prússia já tinham feito, Pombal procurava estabelecer as condições para o exercício eficaz do absolutismo em Portugal.

As medidas tomadas, porém, não decorreram de um grande plano, previamente traçado, mas obedeceram as necessidades colocadas pelos diversos momentos atravessados pelo governo. Inicialmente, tratou-se da reconstrução de Lisboa e da reorganização militar para enfrentar o ambiente hostil na Europa com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), conflito que se desdobrou na América, com embates entre portugueses e espanhóis no sul. Essas providências, naturalmente, exigiam a retomada da atividade econômica e uma reorganização administrativa; uma legislação atualizada e uma preparação mais adequada dos funcionários. E, finalmente, a remoção da capacidade de interferir daqueles que não participavam diretamente do restrito grupo no poder: os nobres tradicionais e os jesuítas, o setor da Igreja mais ligado a Roma.

Na colônia, o território, bastante ampliado nas últimas décadas, carecia de estímulo ao povoamento e de mecanismos de defesa no litoral e nas áreas críticas do interior, a Amazônia e o sul. No plano econômico, urgia contornar a decadência das exportações de gêneros primários importantes, como o açúcar e o tabaco, sem falar do esgotamento da produção do ouro a partir da década de 1760. Como resultado, modernizou-se a organização militar, com a criação de novos regimentos auxiliares, e promulgaram-se leis com o propósito de incentivar as uniões entre brancos e índios. Ao mesmo tempo, procurou-se estimular a produção da colônia e o comércio com a criação de duas grandes companhias, uma no Grão-Pará e Maranhão (1755) e a outra em Pernambuco e Paraíba (1759), as quais, ao enrijecer o monopólio sobre a compra e a venda dos produtos coloniais, fortaleciam os grandes grupos mercantis metropolitanos. Na região das minas, uma nova legislação regulamentou a exploração do ouro e dos diamantes. Por outro lado, a expulsão dos jesuítas em 1759 tornou indispensável uma reforma do ensino básico, conduzida de maneira hesitante e sem muito sucesso. Em compensação, a reestruturação da Universidade de Coimbra (1772) criou as condições para a formação de uma burocracia afinada com a política mais prática da época.

Ao deixar o poder em 1777, o todo poderoso ministro foi acusado de crimes e arbitrariedades, mas as diretrizes de seu governo continuaram, na maior parte, em vigor.

 

OS EXCLUÍDOS

A porção mais inferior da sociedade colonial era formada pelos escravos, dentre os quais predominaram os de origem africana, a partir de fins do século XVI.  Respondendo por cerca de 40% do total da população, geralmente provinham da África Ocidental. Postos à venda nos grandes mercados de Salvador e do Rio de Janeiro, eram em seguida espalhados por todas as regiões da América portuguesa. Estima-se que, em todo o período colonial, tenham chegado à América portuguesa entre 2,5 e 3 milhões de cativos africanos.

Nos dois primeiros séculos da colonização, quando proliferaram os engenhos de açúcar no litoral nordestino, cerca de meio milhão de escravos negros e mulatos foram empregados sobretudo no cultivo das plantações de cana e nas primeiras fases do fabrico do produto. No século XVIII, a maior parte dos cativos foi enviada para as regiões auríferas de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Mas os escravos africanos e seus descendentes, onipresentes na sociedade colonial, desempenharam muitas outras atividades. Do sertão do Nordeste até os campos do sul, cativos eram utilizados na criação de gado, na condução dos rebanhos que abasteciam as cidades e vilas da colônia e na produção do charque. Nos centros urbanos, serviam de vendedores ambulantes de miudezas e alimentos, para o que utilizavam tabuleiros denominados quitandas. Dessa forma, ou como carpinteiros, barbeiros, sapateiros e alfaiates, sustentavam seus senhores, muitas vezes ex-escravos, com o resultado de seus negócios. Eram chamados por isso de negros de ganho. Em toda a colônia, por fim, eram os cativos que realizavam os serviços domésticos.

Personagem central no mundo do trabalho, o escravo, sobretudo do interior, participava da vida social da colônia de maneira marginal. Inserido pelo batismo no conjunto da população católica, podia assistir as missas dominicais e festas religiosas, mas o grau dessa participação dependia muito da vontade do senhor. Nas vilas e arraiais, ingressava em irmandades, dentre as quais destacavam-se as do Rosário e de São Benedito. Outra forma de associação aberta ao escravo, embora sob controle direto das autoridades, era a tropa, cujos contingentes de negros, os henriques, eram empregados no combate aos índios. Considerado pela legislação e pelo costume uma propriedade, ao escravo ofereciam-se poucas oportunidades para mudar de condição. A alforria podia vir por ocasião da morte de seu senhor, quando este deixasse registrada a intenção em testamento. Também podia ser obtida por compra, desde que, com a concordância do senhor, tivesse amealhado a quantia equivalente ao seu preço de mercado. Neste, e em outros casos, a situação do escravo alforriado, chamado de forro ou liberto, permanecia mais precária que a do homem livre, pois aquela concessão podia ser revogada em certas circunstâncias. Além disso, restava ao escravo o suicídio, a rebelião e a fuga. Os escravos fugidos reuniam-se, formando povoações chamadas quilombos, que surgiram as centenas no período colonial.

 

AS VÁRIAS FORMAS DE POBREZA

Na hierarquia social da colônia, logo acima do grupo dos excluídos representado pelos escravos, havia uma larga faixa de pobres, difícil de classificar. Em relação a ordem social, ora preenchiam funções necessárias para sua manutenção, ora ameaçavam-na pelo distanciamento com respeito ao mundo do trabalho. Parte desse contingente de homens sem fortuna era formada pelos libertos ou forros, isto é, antigos escravos que haviam obtido de seu senhor a carta de alforria. Esta podia ser conseguida por meio do reconhecimento da paternidade de uma criança tida com uma escrava, nos casos em que o pai era o senhor. Eis porque, entre os libertos, muitos eram mulatos, frutos de uniões mistas entre brancos e negras escravas.

Nas vilas e cidades, esses libertos, mulatos ou não, desempenhavam, sobretudo atividades artesanais, para as quais não era exigido o domínio da escrita. Os homens tendiam a concentrar-se nos ofícios de alfaiate, sapateiro, carpinteiro, barbeiro e pescador. As mulheres trabalhavam geralmente como costureiras e vendedoras ambulantes. Alguns forros ocupavam postos nas tropas como soldados e até sargentos.

Assim, nos aglomerados urbanos, os libertos deram origem a uma população livre de cor que iria responsabilizar-se por boa parte dos ofícios manuais necessários. Dessa população de negros e mulatos saíram também os músicos, pintores, entalhadores e fabricantes de imagens, que contribuíram com sua habilidade para o desenvolvimento da arte sacra na colônia. Menos enquadrados do que os escravos na hierarquia social, porém, os artífices forros e seus descendentes eram sempre vistos pelas autoridades como um perigo em potencial para a manutenção da ordem. Mais receio ainda despertava os desclassificados sociais, já que, além de serem quase sempre negros, não se empregavam em atividades produtivas regulares. Incluíam os vadios, os vagabundos, os fora-da-lei, que viviam em boa medida de esmolas ou expedientes ilícitos, como o roubo e a feitiçaria. Alvos de medidas repressivas das autoridades, esses desclassificados eram por vezes submetidos a prisão, aos açoites, ao recrutamento forçado ou ao trabalho compulsório em obras públicas. Mais toleradas eram as prostitutas, vistas como um mal necessário em face do grande contingente solteiro da população masculina. Bastante numerosas nos centros urbanos, elas desfrutavam de uma independência e de uma liberdade de movimentos vedadas as mulheres de família.

Muitos homens pobres, forros ou livres, colocavam-se com suas famílias sob a proteção de um senhor, ao qual ficavam ligados por vínculos de gratidão e de obrigação, passando a fazer parte de sua clientela. Além desses agregados, era dentre os desclassificados que esses potentados do interior recrutavam os cabras para a organização de suas milícias privadas.

 

O POVO

Na época, em Portugal, designava-se assim a faixa daqueles situados acima da linha da pobreza absoluta, que se dedicavam a atividades socialmente reconhecidas, as quais, no entanto, por envolverem atividades manuais, eram consideradas inferiores e indignas da condição de nobre. Englobava, por conseguinte, um largo espectro de profissionais, que se estendia desde os lavradores rurais, até os pequenos funcionários régios, passando pelos artesãos urbanos, os soldados e os diversos tipos de comerciantes. O gênero de atividade de alguns mecânicos, como os ourives e os impressores, e a qualificação de indivíduos por meio de diplomas universitários ou de simples estudos, como advogados, médicos e professores, situavam-nos na condição de nobres, embora não os fizessem pertencer à nobreza. No Brasil, a presença dos escravos e a formação de um largo contingente de forros e livres, negros ou mestiços, dedicando-se as atividades artesanais, deformou e muito a idéia de povo. No emaranhado de regras e costumes que definiam a situação dos indivíduos na escala social daquele tempo, o ter-mo passou a referir-se, cada vez mais, aos colonos brancos portugueses e seus descendentes. Dessa for-ma, compreendia sobretudo os pequenos proprietários rurais, os soldados da tropa, os funcionários inferiores da administração, os caixeiros e pequenos comerciantes a varejo. Entretanto, cada uma dessas atividades tinha a sua própria graduação. No comércio, acima dos caixeiros, situavam-se os mascates, vendedores ambulantes que distribuíam um pequeno número de produtos por conta própria ou em nome de outro comerciante melhor situado. Entre estes, figuravam aqueles estabelecidos em lojas e os mercadores de sobrado. No ponto mais alto, já aspirando a condição de nobre, encontravam-se os chamados negociantes de grosso trato, que se ocupavam principalmente de importação e exportação de artigos em grande escala, com que abasteciam os demais. Na burocracia, colocações podiam ser obtidas junto as câmaras municipais, nos tribunais superiores (as Relações), como escrivão da justiça ou, então, através das carreiras militar e eclesiástica. Neste último caso, não era a ordenação como sacerdote, mas a conquista de uma posição estável como pároco e, acima de tudo, como membro do Cabido de uma catedral, que dava prestígio e influência ao indivíduo. Nos centros urbanos, alguns homens dotados de uma formação específica exerciam profissões liberais, oferecendo seus serviços em troca de remuneração. Dentre esses profissionais, destacam-se os advogados, os médicos (chamados a época de físicos) e os professores régios, criados pelas reformas pombalinas, todos considerados nobres. O mesmo, porém, não ocorria com os cirurgiões. Estes, que faziam amputações, aplicavam sangrias e arrancavam dentes, eram na essência práticos, cujo aprendizado decorria muito mais do exemplo do que do ensino, ficando assim assimilados aos mecânicos. Sociedade de fronteira, as barreiras sociais não eram rígidas. Ao enriquecer, os membros do povo conseguiam assegurar um lugar entre os homens bons da colônia, ao lado da nobreza da terra, passando a serem eleitos para as câmaras municipais e a ocupar cargos na mesa diretora das irmandades religiosas de maior prestígio. Até mesmo os mestiços, que embranqueciam a medida que ascendiam socialmente, vieram a deter postos no funcionalismo ou a se destacar na carreira eclesiástica.

 

A NOBREZA DA TERRA

Na América portuguesa, os indicadores mais evidentes de riqueza e de poder diziam respeito a propriedade de terras e de escravos. Ao longo de todo o período colonial, aqueles que baseavam sua fortuna nessas formas de propriedade ocuparam sempre os postos mais elevados da sociedade, formando uma autêntica nobreza da terra.

Nobres da terra eram, nos séculos XVI e XVII, principalmente aqueles que comandavam a produção de açúcar no litoral nordestino. Dentre essa aristocracia açucareira, os mais ricos e poderosos eram os senhores de engenho, que possuíam não apenas lavouras de cana e mão-de-obra, mas também os aparelhos necessários ao fabrico do produto. Alguns deles chegavam a ser donos de mais de cem escravos e estendiam sua autoridade a todos os moradores de seus domínios e aos cultivadores de cana próximos.

No século XVIII, ganharam destaque os grandes minerados estabelecidos em Minas Gerais e na região centro-oeste, alguns dos quais conseguiam acumular extensos terrenos ricos em ouro ou diamantes, trabalhados por até trezentos escravos. Em plano secundário, mas também incluídos nesse segmento aristocrático, figuravam os principais criadores de gado, além dos maiores fazendeiros de algodão, de tabaco e de cacau. Sobretudo nas fazendas e engenhos, esses grandes proprietários estabeleciam com seus familiares, dependentes e até mesmo escravos, certos laços de natureza simbólica e afetiva, os quais serviam para exercer o poder que detinham. Assim, como grandes patriarcas em suas terras, os senhores estendiam sua proteção aos habitantes das mesmas, e, ao servir como padrinho de casamento e de batismo, incorporava-os mesmo ao círculo mais estreito da família. Ao estabelecer esses laços, os senhores acabavam por consolidar também a lealdade de seus subordinados, podendo mais facilmente contar com eles para toda sorte de serviços, inclusive por ocasião dos enfrentamentos com outros poderes. Eis então porque o poderio de um desses senhores podia ser avaliado pelo tamanho de sua clientela, isto é, dos empregados que tinha sob seu comando. Além desse poder forjado no interior da propriedade, a nobreza da terra também usufruía do controle sobre os meios de representação política, a começar pelas câmaras das vilas e cidades da colônia. Em suas mãos estava, com efeito, a administração dessas câmaras, para as quais podiam votar e ser votados apenas os homens bons do lugar, recrutados sobretudo de suas fileiras. A ocupação desses cargos administrativos, além de postos nas milícias, servia aos membros da elite tanto para fazer valer seus interesses, quanto para dar-lhes maior prestígio social. Por fim, a nobreza da terra era também ciosa de sua pureza de sangue, isto é, de seu pertencimento a antigas linhagens de cristãos portugueses. Tal condição lhe valia como uma fonte adicional de prestígio e lhe permitia diferenciar-se de outros grupos sociais, como os comerciantes ricos, acusados freqüentemente de possuírem ascendência judia e, por isso, vistos com certa desconfiança pelas autoridades.

No caso de Pernambuco, em especial, as lutas contra os holandeses desenvolveram um rico imaginário de feitos heróicos e de privilégios entre a nobreza da terra.

 

A FAMÍLIA E A VIDA DOMÉSTICA

Na América portuguesa, não havia um modelo único de família. Esta variava de acordo com presença mais forte ou não das tradições do reino, com a região em que se encontrava e com a condição social e jurídica de seus integrantes.

No nordeste, entre os grandes proprietários de terras, predominava a família extensa, verdadeiro centro de poder econômico e político local. Dela faziam parte os parentes de sangue, os parentes simbólicos (padrinhos, compadres e afilhados), os agregados ou protegidos, e até os escravos. Para a maior parte dos habitantes da colônia, porém, a regra era a família nuclear, composta apenas dos pais, filhos, e parentes diretos. No caso dos escravos, a formação e a conservação do núcleo familiar tornava-se muitas vezes quase impossível, devido ao pequeno número de mulheres em relação aos homens e as separações forçadas pelos interesses econômicos ou em função da partilha dos bens, por ocasião da morte do senhor.

Nas cidades do litoral e entre indivíduos de alguma posse, talvez predominassem os matrimônios realizados segundo as regras da Igreja. No interior, muito mais comuns eram as simples uniões, consideradas ilegítimas pelas autoridades, ao passo que os freqüentes deslocamentos favoreciam os casos de bigamia. Como na Europa dessa época, quanto mais elevada a posição social, mais pesavam os critérios ligados à situação financeira e a boa reputação na escolha do futuro par. Assim, os casamentos oficiais celebravam-se na maioria dos casos entre pessoas de condição econômica e social equivalente, particularmente no que diz respeito à cor da pele. Mesmo entre a população menos favorecida, a formação de um lar, nesse momento, constituía muito mais uma questão de conveniência do que de sentimentos. A idéia do amor romântico, como o conhecemos hoje, desenvolveu-se apenas no século passado. O caráter mais provisório das uniões ilegítimas, os longos períodos de ausência dos maridos e as altas taxas de mortalidade faziam com que não fosse raro encontrarem-se mulheres desfrutando de grande autonomia. Embora inferiorizadas na legislação, elas podiam tornar-se a cabeça de um lar (fogo) e até assumir a chefia de um agrupamento familiar. Sem dispor de métodos anticoncepcionais adequados, recorria-se por vezes ao infanticídio para evitar um rebento indesejado. Na realidade, a elevada mortalidade infantil e a falta de perspectivas quanto ao futuro restringiam o investimento emocional dos pais. O aprendizado dos filhos decorria da experiência, pouco se distinguindo as necessidades de crianças e adolescentes. Sobretudo nas famílias mais carentes, cedo se ingressava no mundo adulto. Ao completar sete anos, o menino devia aprender algum ofício ou começar a auxiliar o pai em seus afazeres. Estudar era um luxo para poucos.

Até fins da época colonial, as residências caracterizavam-se pelo despojamento. Dos móveis e da alimentação. Nas principais cidades, as famílias de menos posses habitavam em estreitas e precárias casas térreas, enquanto as da elite viviam em sobrados pouco mais confortáveis, embora pudessem refugiar-se em sítios nas redondezas.

 

A VIDA EM SOCIEDADE

Carente de informações e de novidades, a vida na colônia transcorria em ciclos anuais, ritmados pelo calendário da Igreja e pela rotina do plantio e da colheita. Sabia-se, quando muito, se havia paz ou guerra. Mesmo nas principais cidades, como Rio de Janeiro e Salvador, faltavam, até quase o final do período colonial, outros espaços de sociabilidade que não os religiosos. Pobres e despojadas, as habitações não constituíam locais de reunião. E da vida civil, conduzida em torno das câmaras, a maioria estava excluída.

Dessa forma, nas vilas e arraiais da América portuguesa, as igrejas e capelas tornavam-se o cenário mais importante da vida social. Era nos templos que, por ocasião das celebrações litúrgicas e outras cerimônias - como batizados, casamentos e enterros - transcorriam as conversas, trocavam-se mexericos e cortejavam-se os jovens. E era pelo sermão do padre que chegavam as notícias do mundo e as instruções das autoridades.

E nesse ambiente de uma regularidade imemorial, em que o futuro não se distinguia do passado, eram as festas, majoritariamente religiosas, que quebravam a monotonia. Com música, velas e, por vezes, a queima de fogos de artifício. Como as da Semana Santa, com suas procissões solenes, e as do período junino, mais descontraídas. E a do padroeiro da irmandade local. Além de outras, de cunho mais popular, como a folia do Divino, a queima do Judas e as tradicionais encenações de combates entre mouros e cristãos.

Mas também comemorações civis, em geral financiadas pelas câmaras. Motivadas por acontecimentos como a aclamação de um novo rei, o aniversário ou as núpcias de um membro da família real, esses festejos podiam incluir luminárias, banquetes, cortejos, corridas de touros e representações teatrais, além do inevitável Te Deum. Já a população negra, além de tomar parte nas grandes festas e de organizar suas próprias irmandades, realizava cantos e danças de origem africana, como os batuques e lundus. Nas últimas décadas do século XVIII, essas manifestações musicais difundiram-se entre as classes baixas. Quando da chegada da Corte em 1808, acabaram, curiosamente, por introduzirem-se até mesmo nos salões da aristocracia, passando a competir aí com a modinha e os gêneros consagrados da tradição européia. Nesse momento, porém, era uma nova sociabilidade que se anunciava, com o surgimento de casas de pasto e biroscas, teatros e livrarias.

 

A TENSÃO DO DIA-A-DIA

Sob a aparente uniformidade de crença e a tradicional obediência à Coroa portuguesa, a colônia escondia uma série de rivalidades e disputas, além de notórias deficiências, que subentendem a vida cotidiana da população.

Em primeiro lugar, como ocorria na Europa do período, cada atividade exigia esforço e tempo. Pegar água, acender o fogo, até aparar a pena para escrever. Em seguida, havia a precariedade da existência, sujeita aos flagelos naturais e as doenças. Faltavam também meios as autoridades para administrar a sociedade. As distâncias e as dificuldades de transporte, mas igualmente a carência de pessoal e de recursos, sem falar da própria concepção do que era governar, tornavam impossível estabelecer uma norma geral, que vigorasse em todo o território. Cada comunidade vivia de acordo com costumes próprios, mantidos por intermédio de um sistema de poder essencialmente local. Era sempre possível apelar para a justiça real, mas esta não podia deixar de ser lenta e de acabar envolvida pelos interesses particulares. Mesmo nas cidades, centros administrativos importantes, a capacidade de intervenção dos funcionários régios era muito limitada. E isso traduzia-se em uma série de dificuldades para os habitantes. Falta de segurança, desordens nas ruas, saúde e higiene pública quase inexistentes. Mais tensionantes ainda, eram os problemas do abastecimento muito irregular de gêneros alimentícios, controlado por atravessadores pouco escrupulosos.

Por outro lado, a fragilidade da estrutura de poder formal propiciava, no interior, os choques entre grandes famílias de proprietários. Quando aconteciam, essas lutas de família tomavam muitas vezes a forma de vendetas, com agressões recíprocas que se transmitiam de geração à geração, envolvendo inclusive os parentes simbólicos e os agregados. Outras vezes, os conflitos opunham diretamente os membros da elite da terra a certos representantes da Coroa, como ocorreu no episódio da revolta do Beckman no Maranhão (1684), no movimento dos mascates em Pernambuco (1710-1711) e na chamada revolta de Felipe dos Santos em Minas Gerais (1720). Além desse teor violento da vida, o cotidiano distinguia-se pela presença constante de intrigas, rumores, murmurações. Prática essa estimulada por uma mentalidade que encarava cada gesto e cada atitude como uma manifestação da posição ocupada pelo indivíduo na sociedade. Azedavam-se, assim, as relações entre a administração e os bispos, entre os padres seculares e regulares, entre sacerdotes e irmandades, entre párocos e ovelhas, entre vizinhos, entre parentes. A tudo isso, a Inquisição emprestava, através dos comissários, um canal natural de escoamento.